Nº 13 | Age of (AI) Empires
Sobre a ansiedade coletiva que vivemos ao pensar o futuro da Inteligência Artificial
Duas coisas têm me atormentado nos últimos dias. A primeira delas é o relatório “AI 2027” escrito pelos pesquisadores Daniel Kokotajlo, Scott Alexander, Thomas Larsen, Eli Lifland e Romeo Dean (bio deles aqui) e a segunda é a busca por parlamentares republicanos de passar uma lei proibindo os Estados Unidos de estabelecer qualquer regulamentação na área de inteligência artificial nos próximos dez anos.
Como o nome diz, o AI 2027 é um relatório que procura prever o que aconteceria com a inteligência artificial até o final de 2027 e qual seria o legado que a evolução dessa tecnologia deixaria para nós, “demasiado humanos”.
Meu primeiro contato com essa publicação foi em uma entrevista que o Daniel Kokotajlo deu para o Ian Bremmer. Esse pode ser um bom caminho caso você não tenha muito tempo pra ler o documento, que é extenso, detalhado, com zigalhões de notas de rodapé e outros textos de apoio.
Longe de ser uma daquelas besteiras sobre o futuro da IA que constantemente vemos as pessoas vomitarem em matérias discretamente pagas e cortes de podcasts por aí (bem como da boca de gente influenciada por essas matérias discretamente pagas e pelos cortes de podcasts), o AI 2027 referencia um zilhão de outros papers e discute como o desenvolvimento da tecnologia pode se relacionar com o que anda acontecendo no mundo no âmbito geopolítico e econômico.
Sim, ninguém pode prever o futuro, mas há muitos métodos reconhecidos para identificar sinais e apontar tendências e me parece que esse pessoal procurou seguir tal périplo pra produzir esse documento.
De qualquer forma, o AI 2027 traça uma rota que chega a um momento determinante em que a humanidade, ou melhor, os líderes em que votamos, seguimos ou toleramos, terão que decidir se mantêm a corrida pelo predomínio sobre a tecnologia - claro que falo sobre a corrida entre EUA e China - ou se optamos por desacelerar e achar uma solução de consenso pelo bem de nossa espécie.
O IA 2027, então, nos dá dois finais possíveis: o da corrida e o da desaceleração: o final da corrida mistura características de “Exterminador do Futuro”, “Her” e “Matrix”, já o da desaceleração é algo parecido com o que acontece com a Terra em “Star Trek: a Nova Geração”.
Ou seja, se optarmos por jogar querosene nessa batalha entre China e EUA, estamos ferrados. Isso porque tais interesses bem humanos como a busca pelo poder e a ganância, criariam condições para que entregássemos tudo a uma coisa muito mais inteligente que nós. Por outro lado, se um raio de luz alcançasse as consciências desses “stakeholders” e eles chegassem a um acordo de que temos que baixar a bola pra entender isso melhor, a gente conseguiria curar doenças a todos, acabar com a fome no mundo e caminharíamos saltitantes em campos verdes e ensolarados como os do Teletubbies.
Vejam, existem várias batalhas intelectuais na história da filosofia. Uma das grandes, há séculos, é travada pelos defensores das idéias de Hobbes (1588-1679) que dizia que somos egoístas by default e que isso nos transformaria nos “lobos” de nós mesmos. Assim, só nos organizamos mesmo quando aparece alguém com muito poder pra fazer todo mundo andar na mesma direção. A esse indivíduo, ele dá o nome de “Leviatã”. No outro lado do tabuleiro, estão os defensores de Rousseau (1712-1778) que dizia que nós nascemos naturalmente bondosos (ele chamava isso de tábula rasa, como um HD recém formatado), mas que a sociedade nos corromperia no decorrer da vida.
Trago essa treta filosófica pra cá porque é bem provável que finalmente veremos quem é que está certo, sobretudo se a lei dos republicanos passar e não houver nenhuma barreira para a “criatividade” dos pesquisadores humanos, que podem estar cuidando dos pesquisadores sintéticos como quem bota uma coleira de linguiça no cachorro.
A jornalista de tecnologia Karen Hao acabou de publicar um livro em que ela defende a ideia de que as empresas de IA, mais precisamente a OpenAI têm agido como um império. O livro entrou na minha lista de leituras cuja altura já chega à Lua. No entanto, Hao deu uma entrevista ao Today in Focus em que ela deixa essas ideias um pouco mais claras.
Essencialmente, “Hao argumenta que a OpenAI se comporta como um império moderno ao concentrar poder tecnológico sob uma fachada de altruísmo, enquanto adota práticas pouco transparentes e voltadas ao lucro. Ela destaca a transição da empresa de uma organização sem fins lucrativos para uma estrutura comercial apoiada por gigantes como a Microsoft, a exploração de mão de obra barata em países do Sul Global e os impactos ambientais de seus data centers. Além disso, Hao compara esse poder centralizado aos impérios históricos, sugerindo que, como esses impérios que eventualmente colapsaram, a OpenAI pode estar repetindo os mesmos padrões de concentração e queda. Por fim, ela defende uma reação coordenada da sociedade — por parte de artistas, reguladores e cidadãos — para resistir e exigir mais transparência e responsabilidade.
” Me senti um subversivo por gerar esse parágrafo no ChatGPT.
O que quero dizer com tudo isso é que todas e todos nós sentimos que a IA está prestes a causar uma grande mudança em nossa forma de vida. É quase como uma ansiedade coletiva. Você ouve isso das especialistas, dos influenciadores babacas, do motorista do Uber e até das crianças. Sabemos que será um ponto de inflexão, embora ninguém saiba exatamente pra onde. No entanto, qualquer futuro que imaginemos precisa conter dois assuntos que o AI 2027 evita encarar de frente: a polarização política em nível nacional, que está presente em boa parte do mundo e o aquecimento global. O que acontecer nesses dois domínios pode bagunçar tudo de modo que até a IA pode ter dificuldade em sobreviver.
Qual futuro acho mais provável? Penso que teremos que escolher se queremos “Mad Max” ou “Blade Runner”. O que pode determinar isso, pode ser uma fase meio ao estilo de “Children of Men”.
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O futuro de IA que mais me assustou nos últimos tempos é mais colorido que Blade Runner e apareceu nessa conversinha simpática entre dois caras com egos inchados decidindo como será o nosso futuro.
https://youtu.be/W09bIpc_3ms